quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O armário não nos protegerá.


No dia 09/02/2014 a folha de São Paulo publicou uma nota divulgando quais são as medidas de segurança adotadas por pessoas gays que frequentam a rua Frei Caneca - SP :


ESTRATÉGIAS DE SEGURANÇA
As táticas adotadas pelos frequentadores da rua Frei Caneca para evitar agressões:
Andar sempre em grupos: ter amigos por perto pode intimidar agressores
Evitar lugares abertos: ir a locais fechados sempre que possível para aumentar segurança
Não dar "pinta": alguns trejeitos podem atrair a atenção de criminosos
Evitar andar de mãos dadas e beijar em locais públicos
fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/151441-estrategias-de-seguranca.shtml


            Isso denuncia como as pessoas homossexuais são tratadas quando a questão é a violência contra elas, com isso não quero dizer que só homossexuais sofrem, não gente, mulheres sofrem isso, ainda mais que homossexuais, só olhar os índices de estupro e violência contra a mulher que verão, mas como a matéria fala sobre homens homossexuais falarei sobre isso.

            Quero além de tudo me ater à uma parte da matéria.

"Não dar "pinta": alguns trejeitos podem atrair a atenção de criminosos"


            Isso denuncia algo muito grande, ainda que de forma sutil, que é a misoginia (não quero dizer que homens sofrem misoginia, estou dizendo que a repulsa ao feminino e a subalternização do feminino pode ser vista como misoginia) e como isso está atrelado em nossa sociedade e quando digo sociedade falo também na comunidade gay.
            Quando a matéria diz que dar pinta atrai a atenção dos criminosos, faz com apontemos quem são os criminosos e que eles sejam responsabilizados e culpabilizados pelos crimes que cometem.
            Você pessoa afeminada que não corresponde às normas de gênero impostas à ti, você que não consegue corresponder ou se preocupa e/ou se nega à corresponder à um padrão de masculinidade seguro, você não é culpado da violência que sofre, a violência que é lançada contra ti, contra o feminino, não é responsabilidade sua, não é sua culpa.             De fato sua feminilidade, o fato de você ser afetado, afeta à sociedade e desperta os criminosos, aqueles que cometem crimes contra você, contra sua identidade, aqueles que segregam você e dizem que você não tem dignidade, essas pessoas são criminosas, elas sim são culpadas pela violência que geram, então vamos nomeá-las, vamos dizer quem elas são, vamos nos unir contra elas, pois se não enfrentarmos nossos criminosos voltaremos pro armário, voltaremos pro escondido e assim diremos que quem somos é digno de vergonha e culpa, porém te digo o contrário, não há nada de vergonhoso em ser afetado, não há nada de vergonhoso na sua feminilidade, vergonhoso é ser misógino, vergonhoso é ser homofóbico, vergonhoso é querer dizer que pra nos protegermos temos que deixar de existir em publico.


          
  A feminilidade atraí criminosos, isso é um fato, criminosos esses que me cuidaram na infância. Criminosos foram meus tios que usavam de coação e chacota contra minha feminilidade ainda na infância, criminosa foram minhas tias que em brigas usavam-me de hálibi para ofender minha mãe, por conta de minha feminilidade, criminosos foram meus primos que me xingavam e me impediam de brincar por conta de minha feminilidade, criminoso foram esses mesmos primos que me chamavam de frutinha, viadinho, boiola só para me fazerem sentir ainda mais excluído, me fazer sentir subalternizado e saber que meu jeito não era bem vindo, criminosos foram as pessoas na rua que diziam que por eu ser afeminado eu jogava futebol de forma ruim, porém no vôlei eu era mais bem aceito por ser um jogo feminino, criminosos foram as pessoas na escola que me excluiam por minha feminilidade na hora da interação social, mas juravam que na hora da prova eu era a melhor pessoa para passar cola, criminosos foram os meus professores que nunca interferiram quando alguém zombava de minha feminilidade, criminoso foi aquele menino na quinta série que me agrediu enquanto eu ia ao banheiro só por que eu não representava uma criança masculina, criminosos foram esses amigos de classe que me subalternizavam e para superar isso eu tinha que ser bom em falar de sexo hétero e só era respeitado enquanto eu estava pegando as menininhas, criminosos foram os diretores e professores que viam minha dificuldade e não falavam nada, criminosos foram minhas primas que zombavam do meu cabelo grande e diziam que eu parecia uma menina, como se parecer uma menina fosse algo horrível, criminosos foram aqueles meninos que paravam eu e minha namorada perguntando se éramos lésbicas, criminosa foi a igreja quando me ingressei nela e tinha que corresponder as normas de gênero e sexualidade, criminoso foi aquele pastor que dizia que eu interpretava o culto em libras de uma forma "meio estranha" e que era para eu parar de interpretar, criminosos foram meus amigos da igreja que se afastaram de mim no dia que me assumi gay, criminoso foi meu amigo que no dia que me levou na casa da vó dele pediu para eu maneirar nos trejeitos, criminoso foi aquele menino gay que falou para eu ter jeito de homem para não manchar a honra da classe, criminoso foram todos os meninos gays que disseram que eu não precisava dar pinta, criminoso foram amigos de trabalho que me achavam afeminado demais para ter qualquer contato fora do trabalho, esses sim cometeram crimes. Crimes esses que fizeram com que eu vivesse uma vida tentando me esconder, tentando fingir que eu era normal, tentando parecer menos afeminado, esses atentados contra minha identidade fizeram com que eu sentisse vergonha de ser afeminado, esses crimes fazem com que cresçamos com vergonha, faz com que cresçamos reforçando uma masculinidade que não é nossa.
            Isso tudo faz com que achemos que estamos errado, faz com que sintamos vergonha, lembro até hoje que quando assumi minha sexualidade pedi para que amigos me dessem toques de quando eu estava sendo afeminado e quando eu estava tendo trejeitos, passava conversas inteiras me policiando para não dar pinta, passava sempre em alerta tentando parecer uma pessoa hétero, tentando sustentar uma masculinidade, todos esses atentados contra minha identidade me fizeram entrar em relações fingindo uma masculinidade que não era minha e pior, me faziam procurar relações com pessoas que não aceitavam a minha feminilidade, então nunca me sentia bem para expressar de fato quem eu era.
            Quando alguém diz que não precisamos ser afeminados, quando alguém diz que não curte afeminados, quando somos subjulgados por nossa feminilidade, isso sim é um crime, esses sim são os verdadeiros criminosos, quando alguém acha que somos mais frágeis, mais sensíveis, mais manhosos, menos fortes por sermos afeminados essas pessoas estão cometendo crimes contra nossas identidades, estão dizendo que a nossa feminilidade nos faz subalternos, nos faz submissos e não nos faz fortes, essas são inverdades sobre nós, pois podemos ser quem nós quisermos ser, não será minha feminilidade que fará com que eu seja mais sensível, com que eu seja mais manhoso, com que seja menos forte, minha feminilidade não diz nada sobre isso, minha feminilidade é apenas uma expressão de quem eu sou e eu me orgulho dela, pois para aceitar minha feminilidade eu tive que enfrentar meus criminosos, para viver minha feminilidade eu tive que peitá-los e dizer quem de fato estava errado nessa história toda.

            Não sinta vergonha da sua feminilidade, não sinta medo de expressar quem de fato você é, se você não conseguir saber quem é e expressar isso de forma sincera, os outros dificilmente saberão como te respeitar.
            Não há nada de errado com nossa identidade, não há nada de errado com nossa feminilidade, não deixe com que esses criminosos continuem dizendo que estamos errados, não deixaremos que façam isso conosco, nossa feminilidade não nos faz alguém pior ou melhor, nossa feminilidade é uma expressão sincera de quem somos, não nos esconderemos, não nos privaremos, não nos envergonharemos.


            Não se cale, pois nosso silencio não nos protegerá, nossa invisibilidade não nos protegerá.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

PARADA DITA LGBT E O DESCASO COM AS PESSOAS TRANS* (BINÁRIAS E NÃO-BINÁRIAS)

No dia 29 de Janeiro de 2014, Daniela Andrade, uma militante independente prol direito e visibilidade de pessoas trans binárias, iniciou uma petição na AVAAZ com a finalidade de que a parada do orgulho GGGG (era pra ser lgbt, mas só tem representatividade G) de 2014 fosse: “Eu respeito travestis e transexuais e quero a aprovação do Projeto de Lei João Nery!”, assim solicitando que o movimento organizado dito lgbt, mas que só tem protagonismo de homens cis homossexuais, desse visibilidade e voz à pessoas que estão englobadas numa sigla e invisibilizadas no movimento, ou seja desse voz às pessoas trans, atualmente a petição tem 4.794 assinaturas.
Alguns militantes e muitas pessoas independentes compartilharam, assinaram e estão querendo que à parada dita LGBT tenha esse tema.
A parada gay nasceu através de uma revolta das pessoas trans*, em 28 de junho de 1969. Nessa época as pessoas cis homossexuais e as pessoas trans frequentavam com mais segurança o Bar Stonewall Inn, era proibido vender bebida para pessoas não cis e não hetero nos EUA, após muitos abusos, humilhações e chacota, que os frequentadores desse bar sofreram, principalmente as pessoas trans* houve uma revolta e confronto com a policia, foi um marco para os direitos das pessoas ditas lgbts (não gosto mais de usar essa sigla, pela carga assimilacionista que ela passou a ter), após um ano da revolta acontecida em Stonewall, as pessoas se reuniram para comemorar tal marco, e passou a ser assim todos os anos seguintes dando origem à parada do orgulho lgbt e por esse motivo que 28 de junho é o dia do Orgulho Lgbt.
No Brasil a primeira parada lgbt aconteceu em 1997, iniciou com pessoas querendo seus direitos, até que foi crescendo e cooptada pelo estado, como é hoje, quem organiza a parada nos dias de hoje são instituições ligadas ao estado e que usam dinheiro do estado para tal evento, a parada brasileira é uma das maiores do mundo.
Na petição criada por Daniela na AVAAZ ela cita que nos últimos anos a parada nunca citou as pessoas trans* (diga-se de passagem que o movimento dito lgbt nunca citou as pessoas trans não-binárias, se bobear nem sabe quem elas são ou que existem) após a criação da petição e a dimensão que isso tomou a APOLGBT soltou uma nota dia 11/02/2014 informando que já está tudo decidido, que a parada não irá citar às pessoas trans, nem as binárias e nem as não-binarias, e que irá novamente ter como tema a homofobia.
Assim sendo a parada do orgulho dito lgbt, informa que a pauta das pessoas trans* não é importante, que de fato eles não irão falar sobre isso e que falarão só sobre a homofobia, como tem feito em quase todas as paradas do orgulho gay, eles informaram que SE a prefeitura liberar mais verba ($$$$) eles colocarão mais um TRIO elétrico para as pessoas trans, afinal é essa a visibilidade das pessoas trans na parada gay, pessoas trans binárias e passaveis dançando em um trio elétrico.
O movimento lgbt tem as pessoas trans binárias ali dentro como forma de dizer que elas existem, mas suas pautas não tem a importância que merece, as lésbicas estão ali dentro mas suas vozes só são ouvidas quando estão condizente com as vozes dos homens cis gays, os homens trans são invisibilizados ali dentro e muitas vezes não são nem citados, vide à nota da apolgbt que só fala de MULHERES TRANS E TRAVESTIS, em nenhum momento os homens trans e as pessoas trans não-binárias foram citadas ou se quer visibilizadas.

Mulheres trans e travestis são empurradas para a marginalidade, são empurradas para a prostituição, as pessoas transexuais são obrigadas a passarem por psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas para conseguirem um laudo que prove que são transexuais e só assim terem acesso à cirurgias e à mudança de seus documentos, os ambulatórios para pessoas trans realizam poucas cirurgias, tem uma estrutura que ainda não contempla todas as pessoas trans*. Mulheres trans e travestis são mortas e entram para as estatísticas de homofobia, sendo que a motivação dos seus crimes não é homofobia e isso invisibiliza ainda mais suas pautas, os homens trans estão sendo contemplados pelo SUS recentemente, mesmo assim ainda estão passando por todos os procedimentos longos e demorados, enfrentando filas imensas, não tem a possibilidade de fazer todas as cirurgias e as cirurgias realizadas para homens trans são em números ainda menor das mulheres trans e ainda tem uma pequena representatividade até nos espaços de saúde publica.
Onde está o mesmo engajamento na luta contra a transfobia, quanto Kaique apareceu morto em São Paulo com suspeitas de homofobia, houve uma imensa manifestação e articulação para que o crime fosse investigado com rigor e para que algo fosse feito com a homofobia, porém quando GUTTA, uma mulher trans*, que havia acabado de conseguir se formar em pedagogia (um ato raro, já que as pessoas trans são impedidas de terminar os estudos), não causou a mesma sensação de revolta nas pessoas da comunidade dita lgbt, com isso não quero dizer que uma morte é menos importante que a outra só estou questionando o motivo da morte de um homem cis homossexual gerar mais comoção e mobilização do que quando isso acontece com uma mulher trans ou uma mulher lésbica. A pauta dos homens cis gays tem bons representantes e boa visibilidade, mas o que as pessoas trans* estão fazendo ali dentro?
O movimento dito lgbt é mais forte ao lado das pessoas trans*, mas a pergunta é as pessoas trans* são mais fortes no movimento lgbt?
Até quando precisará se disputar a consciencia dos homens cis gays, até quando será preciso conscientizar as pessoas que dizem estar lutando conosco, no movimento dito lgbt, para só depois dessa briga as pessoas trans* poderem ter voz dentro da comunidade que se propõe lgbt?

À partir desses fatos faço um convite:

Ongs, grupos, coletivos de pessoas trans*, pessoas trans que não fazem parte de organizações militantes, esvaziem a parada dita lgbt, não pisem nos seus trios elétricos, não entrem nos seus camarotes, não subam nos seus carros, não participem dos seus debates, se essa é a importância que a parada dita lgbt quer dar às pessoas trans*, então o que fazemos ali, se as pessoas trans* estão ali só para apoiarem a luta contra a homofobia, então porque dizem que somos parceiros?
Se a organização gggg não quer nos representar, não quer falar das nossas necessidades, quer fingir que estamos bem, felizes, que somos pessoas contempladas pelo termo homofobia, que estamos tendo representatividade e voz, vamos gritar que não, isso tudo não é verdade, vamos nos organizar, vamos nos apoiar, vamos dar as mãos e lutar todas pessoas trans* juntas, se o movimento que diz que nos representa não nos dá voz, então não daremos nem nossa imagem para apoia-los.
Convido que as pessoas trans* se organizem, façam panfletagens nos eventos do mês da parada, que se organizem em grupos e compareçam à parada gay para denunciar a nossa invisibilidade, mas não como seus parceiros, não nos seus espaços, que não nos vejam nos camarotes, que não nos vejam nos trios elétricos, que não nos vejam nos pôsteres, que não nos vejam nos debates, mas que nos vejam com a população invisibilizada, que nos vejam no chão da parada com cartazes, com panfletos, que nos vejam ali nos opondo à essa organização que se propõe burguesa, que se propõe cisgenera e muitas vezes heteronormativa e higienizada pelo sistema burguês, capitalista, prol família burguesa, não estamos sendo contemplados pelas migalhas que estão nos dando, então nos revoltemos e mostremos que somos fortes, mas não ao lado deles, somos fortes nos unindo e dando visibilidade à nossas necessidades, somos fortes quando temos união com nossos iguais, convido à todos os excluídos pela parada dita lgbt, que mostre que ela não está mais nos contemplando, que mostremos que o movimento que se propõe lgbt esqueceu de nós, quer dizer não me lembro se um dia eles lembraram de nós.

Repostando de: http://reinvencaodoser.tumblr.com/post/76533317587/parada-dita-lgbt-e-o-descaso-com-as-pessoas-trans